Um dia apareces
com uma desculpa
bates no meu quarto
falas do teu estado
o teu deus me manda embora
tu vens bater
no meu quarto
com um folheto de um museu
lá do fundo da cidade
deus me livre a macronia
deus me livre os fascistas
que entraram na faculdade
deus me livre as fábricas
do Denis laget
a tua vida acompanha
o sistema
elimina a dúvida
procura uma linguagem
comum
deus
te livre da pausa
da eternidade
tu vens bater no meu quarto
e falar da vida dos partidos
e da superioridade das coisas 

 

 

Eu não posso esquecer

o mundo a música invariável do teu carro

o planetário das nossas respirações

tuas mãos tímidas

no vidro embaciado

ou os olhos que tocam os meus olhos

que tocam os nervos do teu cabelo

que tocam os teus lábios quentes

Não quero esquecer

as tuas mãos cubos de gelo

nas minhas costas –

sítios escuros

onde desenhavas os projetos

de um amor só;

Como descobrimos

que os condutores dos elétricos de Lisboa

são incomodados

pelos turistas frenéticos

por empurrões

por traduções falsas

como vimos

uma luta num jardim

o sol enquadrando

uma fotografia tua

e os teus pensamentos

soltos:

– eu gosto do teu estilo -,

mas eu não quis acreditar,

como é que se acredita

no amor.

Eu não posso esquecer

que nem todas as palavras

eram ditas que todos os segundos

eram meus eram nossos

Não posso esquecer a vida

Os teus beijos são os elétricos de Lisboa

O teu amor ainda é saliva no meu corpo

Os teus dedos ainda estão encaixados

nas minhas mãos

volta para casa amor

que há uma porta aberta ideias na mesa

e alguns minutos do meu tempo

volta ao dia-a-dia gasto

à discussão eterna

e ao trabalho nosso

que é preciso mudar de vida

que é preciso fritar o arroz

e não pagar propinas e mudar isto tudo

mas eles não gostam de complicações

nem de jogos ou invenções reais

nem do meu quarto justo

no fundo tu já sabias:

a dor provoca a ação
a dor provoca a ação
a dor provoca a ação