A Rua abandonada, o hospital velhinho, a amiga estúpida e o cão morto, o livro atirado pela janela até ao outro lado da estrada. O dia rápido, o avô da amiga num caixão, o gato pingado e os outros seis gatos da escola primária, a noite lenta, o amigo envergonhado, o gelado que cai na rua abandonada. O baile, o vestido e a lágrima. O doce de laranja que sai do forno da avó, o cheiro a livro velho, a aletria, o doce de morango, o vento frio na cara quente, corre que corre, dois dias lentos, teste de matemática, fração, equação, calipo de limão, três poemas e todos em vão. Blimunda sabe, nós não. Três amigas e nenhum coração, três dias em vão. Cresce que cresce, rua abandonada, despe-te. Medalha emoldurada e porta encravada, unha roída, roída de nada. Sartre na mesa, Marx no chão. Rádio ligado, liga o morgado, fala do homem, cara embrulhada, disse o que queria, nada de nada. Despe-te rua, rua abandonada.

 

O que será feito do senhor que pedia no santuário de Fátima há 3 santíssimos anos? Não tinha uma perna e apoiava-se na outra que tinha, seria a direita ou a esquerda, não sei. Enfim, deixei-me andar mais devagar quando por ali passei, à sua frente ficavam mais dois curiosos que como eu, queriam saber mais do que nos fitava os olhos. Perdi a perna em trabalhos perigosos, que metem o perigo da alma mas também a robustez do corpo, trabalhei e por um dia desgracei a minha vida. Perdi a perna mas não me perdi. E não lhe deram nada? Com um sotaque francês, saíam de um jovenzito com um crucifixo ao peito, estas  palavras, e beijando por fim o santo fio que lhe escorria pelo peito, pedia ao santíssimo nosso senhor que devolvesse a perna cortada, nos  perigos de um trabalho misterioso, a este homem que tinha muita fé, pois bem, se não a tivesse não pedia à frente da sagrada capelinha das aparições, Deus nos livre de tal pecado que seria este homem não ter fé ou coisíssima nenhuma. Tenha fé, Deus virá, Deus todo poderoso ajuda- Deus é muito. E tem com certeza muitas pernas para dar e muitas coisas que não cabe aqui dizer, pois que o fiel e crente sabe o que tem Deus todo poderoso para oferecer. Também sabe que se Deus não dá nada é porque já deu tudo o que tinha para dar, e rezemos três ave-marias pelo homem perneta e pelos franceses que nada tinham a ver com o homem ou com a história, mas que se meteram porque Deus decidiu que às 7 da tarde do sétimo dia da semana dois franceses apareceriam à frente da maravilhosa capelinha das aparições e devolvessem a esperança ao perneta pedinte ou ao pedinte perneta, e cheia de graça seja a capelinha que faz passar ali as freiras do catolicismo e que dão esmola ao perneta descrente. O homem abanava com a cabeça, não tinha nada, ninguém lhe deu nada, ninguém lhe dá nada. Apressei o passo, deixei de ver quem queria, passei a ver outra coisa, enfim, oremos senhor.